Final de março de 2015, outono, e o pequeno pátio da escola estava repleto de folhas de árvores. Em meio à sujeira de papéis de bala e outros resíduos trazidos pelo vento, um grupo de crianças começou a catar folhas para brincar. Colocaram na panelinha, simulando ser a comida. Fiquei observando a brincadeira e percebi que não tinha panela para todas as crianças, então um grupo se dispersou e foi brincar de outra coisa. “Olha tia, vamos pegar essas grandonas”. Então catar folhas se transformou na brincadeira. Fui criando desafios: “quero folhas grandes”, “agora quero folhas secas”. Cataram muitas folhas e fizeram um monte. Folhas verdes, folhas secas, folhas grandes, folhas pequenas. Uma criança pegou um punhado de folhas e jogou para o alto. Notei que queriam mais com aquele material, mas o quê? Lançar, rasgar, juntar. Pensei então que poderiam criar desenhos no chão com as folhas. A maiorias das crianças pensou nas formas geométricas que conhecia; criaram círculos e triângulos. Foi então que uma criança teve a ideia de deitar-se no chão e pedir às outras crianças para desenharem uma coroa sobre sua cabeça. O seu corpo, também era desenho na proposta que ela criara.
Logo todos já estavam envolvidos de alguma forma naquela proposta. Um grande grupo saiu pelo pátio colhendo folhas para contornar o corpo da colega. Outros também quiseram deitar-se no chão. Quando as crianças perceberam que os contornos já haviam sido fechados, desejaram mais e então começaram a cobrir por inteiro o corpo das outras crianças.
Deparei-me com imagens potentes. Aqueles corpos envolvidos por folhas me remeteram às performances do artista Ayrson Heráclito. Natureza morta, corpo vivo, Arte e vida, Arte Contemporânea, todas essas dimensões começaram a pulsar em mim.
Pedi que todos parassem por um instante e observassem aqueles desenhos no chão. Uma criança disse “Igual índio, né professora?” Outra criança, observando a outra menina disse: “Nossa, parece que ela tá morta”. Na mesma hora a criança sorriu e mostrou a língua, como que repreendesse a fala do colega. Cada criança construiu, a partir de suas referências pessoais, um significado para a experiência, buscando assimilações, percebendo o material apresentado com possibilidades estéticas. As folhas passaram a integrar outros processos das crianças, não seria somente a “comidinha”, mas também um material potencialmente plástico para o fazer artístico. Em outros momentos de produção artística, as crianças passaram a incluir as folhas em seus experimentos intencionalmente. Uma criança, por exemplo, selecionou apenas as folhas com furos (causados por insetos), passou uma linha pelos buracos, fez um colar e pendurou-o ao pescoço.
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