terça-feira, 7 de junho de 2016

Breve reflexão sobre o aparente caos nas aulas de Arte





O fazer artístico na Educação Infantil passa pela experiência dos sentidos, as crianças não se satisfazem somente em pintar uma superfície qualquer. Por inúmeras vezes nos deparamos com situações em que as crianças começam utilizando um pincel como instrumento, logo arriscam-se a enfiar os dedos no pote de tinta e tão brevemente já estão com as mãos completamente coloridas, esfregando-as umas nas outras,  imprimindo sua expressão, seu gesto, o seu tato não só sobre o papel, mas sobre o próprio corpo e o do colega.  Para muitas docentes essa forma de explorar o material é tratada como indisciplina e logo as ações das crianças são tolhidas, repreendidas com austeridade. 

Um dia vivenciei uma situação que me fez refletir sobre o aparente caos nas aulas de Arte.
Era para ser uma aula de pintura na turma de 4 anos .Uma criança perguntou-me se poderia usar os dedos para pintar, eu disse que sim. 
Fui percebendo que já não eram só os dedinhos que estavam imersos nas tintas, as mãos também. Outras crianças olhavam curiosas (com aquela carinha de que queriam fazer também). Não conseguiria  repreender, via a satisfação e o interesse ao verem suas mãos coloridas. Pensei no imaginário infantil, na possibilidade de mudarmos de cor. Pensei nos desenhos que elas colorem, nos rostos verdes, azuis e rosas. Pensei em pop art, em Andy Warhol. E por que não nos colorirmos também?



Andy Warhol -Marilyn Monroe (Serigrafia 1967)


Então guardamos os trabalhos e decidimos pintar as mãos e os braços. Peguei o celular para fotografar e filmar, as crianças logo começaram a inventar movimentos, mexendo as mãozinhas. Fizemos vários vídeos. Editei e mostrei a elas o resultado de nossa experiência. 





segunda-feira, 6 de junho de 2016

Descobrindo potencialidades plásticas



Final de março de 2015, outono, e o pequeno pátio da escola estava repleto de folhas de árvores. Em meio à sujeira de papéis de bala e outros resíduos trazidos pelo vento, um grupo de crianças começou a catar folhas para brincar. Colocaram na panelinha, simulando ser a comida. Fiquei observando a brincadeira e percebi que não tinha panela para todas as crianças, então um grupo se dispersou e foi brincar de outra coisa. “Olha tia, vamos pegar essas grandonas”. Então catar folhas se transformou na brincadeira. Fui criando desafios: “quero folhas grandes”, “agora quero folhas secas”. Cataram muitas folhas e fizeram um monte. Folhas verdes, folhas secas, folhas grandes, folhas pequenas. Uma criança pegou um punhado de folhas e jogou para o alto.  Notei que queriam mais com aquele material, mas o quê? Lançar, rasgar, juntar. Pensei então que poderiam criar desenhos no chão com as folhas. A maiorias das crianças pensou nas formas geométricas que conhecia; criaram círculos e triângulos. Foi então que uma criança teve a ideia de deitar-se no chão e pedir às outras crianças para desenharem uma coroa sobre sua cabeça. O seu corpo, também era desenho na proposta que ela criara.
Logo todos já estavam envolvidos de alguma forma naquela proposta. Um grande grupo saiu pelo pátio colhendo folhas para contornar o corpo da colega. Outros também quiseram deitar-se no chão. Quando as crianças perceberam que os contornos já haviam sido fechados, desejaram mais e então começaram a cobrir por inteiro o corpo das outras crianças. 



                                         


Deparei-me com imagens potentes. Aqueles corpos envolvidos por folhas me remeteram às performances do artista Ayrson Heráclito.  Natureza morta, corpo vivo, Arte e vida, Arte Contemporânea, todas essas dimensões começaram a pulsar em mim. 

Pedi que todos parassem por um instante e observassem aqueles desenhos no chão. Uma criança disse “Igual índio, né professora?” Outra criança, observando a  outra menina  disse: “Nossa, parece que ela tá morta”. Na mesma hora a criança sorriu e mostrou a língua, como que repreendesse a fala do colega. Cada criança construiu, a partir de suas referências pessoais, um significado para a experiência, buscando assimilações, percebendo o material apresentado com possibilidades estéticas. As folhas passaram a integrar outros processos das crianças, não seria somente a “comidinha”, mas também um material potencialmente plástico para o fazer artístico. Em outros momentos de produção artística, as crianças passaram a incluir as folhas em seus experimentos intencionalmente. Uma criança, por exemplo, selecionou apenas as folhas com furos (causados por insetos), passou uma linha pelos buracos, fez um colar e pendurou-o ao pescoço. 




Performance Art na Educação Infantil






O corpo humano, desde a antiguidade é  representado  nas manifestações artísticas e religiosas  seja por meio do desenho, da pintura ou da escultura. No entanto, a partir da década de cinquenta, nos movimentos artísticos da body art e da performance , o Corpo passa a se apresentar como expressão de si mesmo, transpondo o conceito de corpo  iconográfico para corpo/obra de arte.
A performance emerge na Arte contemporânea como possibilidade de  expressão artística. Nesse contexto, o corpo é híbrido,  repleto de possibilidades: contesta tabus, enfrenta seus próprios limites e se manifesta como forma de resistência e  prática política.   Para Medeiros (2009):
O que denominamos performance é arte, isto é, voluntariamente ato que visa revelar o outro do mundo sensível e, assim fazendo, criar faíscas de sensível inteligibilidade, entre seres humanos. Inteligibilidade sensível entendida sempre como faísca: pedaços desgarrados de compreensão redimensionável. E o sensível inteligente como aquilo que perdura. A sensação é aquilo que dura (DELEUZE; GUATTARI, 1991). A percepção é aquilo que nos deixa abertos ao mundo. A performance quer tocar a percepção e ser guardada como sensação acariciada por alguma busca de compreensão. (MEDEIROS, 2009, p.23)

Refletindo sobre a performance arte  na arte/educação contemporâneas,  percebe-se a potencialidade plástica,  poética, cognoscível e política desta nos processos de ensino/aprendizagem. A performance se apresenta como um espaço fluido de experimentação , interdisciplinaridade e transdisciplinaridade, pois atravessa diversas questões, como etnia, gênero, política, cultura e subjetividade.
Machado (2010), em A criança é  performer desenvolve  um estudo antropológico da infância sob a perspectiva sociológica de Manuel Sarmento em que  se considera a criança como   “ator social” e “protagonista” , capaz de compartilhar um mesmo mundo que os adultos , porém com sua própria visão e interpretação.
 Segundo  a autora  em  seus vinte anos de docência  e convivência com crianças de 5 a 6 anos de idade pode observar que quando era oferecido  um ambiente  composto  por contextos  sensíveis (como instalações em Arte Contemporânea) , essas crianças manifestavam de inúmeras formas expressivas seus modos de ser e estar no mundo. Assim percebe-se  uma plasticidade e um polimorfismo naturais nas culturas da infância.
Tais considerações vão de encontro às experiências que vivenciei e observei  junto a um grupo de crianças de 5 anos de idade em um Cemei de Contagem:

(...) Luan enrolou um tecido vermelho em volta do corpo, como uma espécie de túnica. Amarrou uma faixa na cintura e outra na testa, prendendo um tecido comprido e amarelo na cabeça, simulando um cabelo. Colocou vários tecidos dentro da túnica, como se possuísse uma barriga grande. Logo essa imagem gerou provocações. Outras crianças questionaram se ele usava um vestido, se ele era uma noiva ou coisa do tipo. A criança ignorando os comentários prosseguiu, caminhou pelo pátio do Cemei, representando essa figura que ele mesmo criou. A diretora, observando a criança  tão camuflada entre tecidos e amarrações,  riu e perguntou curiosa, quase que exclamando,  “Luan , você é um rei?!” Luan disse: “Não, eu sou um feiticeiro!” Ela insistiu: “Mas , e esse barrigão?” Luan : “É que eu tô grávido”. (relatório, diário de bordo, Maio  2014)

Nesse contexto as crianças puderam integrar corpo, espaço, tempo e elementos plásticos.  A subjetividade de cada criança pôde se manifestar em seus movimentos e em suas escolhas diante dos materiais apresentados.  Além disso, exerceram uma postura imaginativa, percebendo  seu próprio corpo como elemento simbólico, polimórfico e  transformador. Cada sujeito criou o seu plano imaginário, ora interagindo com as demais crianças, ora em seu próprio momento consigo mesmo. Dado que a performance permite um fluxo entre  arte e  vida, as crianças nessa experimentação expressaram o que há de mais significativo em suas vidas, a própria infância.